A jornalista Roseli Andrion, de idade não revelada, natural de Foz do Iguaçu (PR) e apaixonada por São Paulo, não sonha com o Big Ben desde pequena. Sua ideia inicial era morar em Nova York, e um mochilão pela Europa lhe alterou a disposição, apesar de a manter em dúvida: Itália, Espanha ou Inglaterra? Mas bastaram alguns dias em Londres para que a energia da capital britânica a dominasse. Para ela, Londres tem muito da capital paulista, onde ela foi criada: “Cidade grande, cheia de vida, corre-corre, gente de todos os cantos e muita, mas muita vibração e energia”.
Segundo ela, essa energia vicia. “Ou melhor, as possibilidades que se tem estando aqui viciam”. Uma das facilidades de se morar na capital britânica são as viagens pelo continente. Há quase sete anos em Londres, Roseli transformou a cidade em um hub particular, que a lança e a conecta a diversos outros países, costumes e experiências.
Mas vamos deixar que Roseli conte sua história. Não de suas viagens pela Europa, mas de sua relação com Londres, a cidade que possibilita essas aventuras pelo mundo. Então, caro leitor, puxe um banquinho neste nosso pub virtual, peça uma boa Guinness e preste atenção na nossa entrevistada. Até vale interrompê-la, desde que seja para oferecer uma pint e facilitar ainda mais a narrativa. Afinal, “com tanto pra ver, dá pra descobrir novidades em Londres todos os dias, por uma vida inteira!”.
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Por que você decidiu morar em Londres?
Minha decisão de morar em Londres não foi daquelas que todo mundo toma quando é criança. Sempre ouço as pessoas dizerem que tinham um sonho de vir morar aqui desde crianças. Não é o meu caso. Confesso que sou uma turista apaixonada e que hoje, sempre que tenho uma pequena oportunidade, estou dentro do avião pra turistar. Só que nem sempre foi assim. Descobri isso tardiamente, mas talvez tenha sido minha melhor descoberta sobre mim.
Bom, eu decidi morar em Londres depois que fiz um mochilão pela Europa em 2003. Na época, eu era repórter do Jornal da Tarde (do Grupo Estado) e vim conhecer a Europa graças ao incentivo de um grande amigo (e ex-professor da faculdade). Até 2001, eu sequer tinha saído do Brasil. Ele me incentivou a ir para Nova York naquele ano ‘porque jornalista precisa viajar e conhecer o mundo’. Eu fui – embora quisesse ir apenas pra Disney, hahaha – e foi uma das melhores experiências da minha vida. Eu estive lá pela primeira vez em agosto de 2001. Em setembro, veio o ataque terrorista. Eu vi Nova York em seu estado pleno, cheia de vida, com todo o seu brilho e charme característicos. Até subi nas Torres Gêmeas! Nova York é linda e magnética – e eu voltei pro Brasil decidida a morar lá. 🙂
Quando contei ao meu amigo que queria morar em Nova York, achei que ele fosse ficar contente, mas ele me veio com um papo de que eu devia conhecer a Europa. “Paris”, me disse, “é uma Nova York melhorada.” Confesso que fiquei ‘cansada’ só de imaginar. ‘Poxa, a Europa é muito grande, muito diversa’, eu pensava. E foi daí que tive a ideia do mochilão. Me organizei, fiz um roteiro que incluía nove países e 16 cidades, peguei dois meses de férias, dei adeus à ideia de trocar de carro e coloquei o pé no avião.
Londres foi minha penúltima cidade nesse roteiro. Eu visitei tanto capitais quanto cidades menores nessa viagem. Normalmente, dedicava cinco dias a capitais e três a cidades menores. Londres e Paris foram privilegiadas e ganharam sete dias cada. 🙂 Assim como meu amigo havia ‘previsto’, eu voltei pro Brasil querendo morar na Europa. Londres foi a escolha natural apenas porque era a capital da Inglaterra, que, à época, era um dos países mais bem-sucedidos da Europa (se bem que eles aqui não se consideram parte da Europa) e poderia me servir de base para explorar a colcha de retalhos que é a Europa continental.
Então, minha vinda pra cá a passeio me mostrou algumas das possibilidades desta terra e foi até fácil optar por morar aqui. Embora eu talvez tivesse escolhido Espanha, Itália ou França se a situação econômica deles fosse tão confortável quanto a do Reino Unido na época (hoje estão todos numa recessão tão brava, que acho que não há muita diferença entre eles).
O curioso é que eu vim pra ficar um ano apenas. 🙂 Estou aqui há quase sete. Este lugar vicia. Ou melhor, as possibilidades que se tem estando aqui viciam. Já viajei praticamente toda a Europa (só não viajei ‘toda’ porque optei por ir a alguns lugares mais de uma vez) – com destaque para algumas pequenas cidades que geralmente não recebem a atenção de turistas e que são joias raríssimas.
O que achou de seu primeiro contato com a cidade?
Meu primeiro contato com a cidade foi durante o mochilão. Era verão – e aquele foi um dos verões mais quentes da Europa até então; houve até mortes pelo calor! – e a cidade estava linda, ensolarada e vibrante. Os verões europeus são ótimos! Naquele ano, naquela semana em que estive aqui, todos os dias foram de sol, calor e dias longos e cheios de atividades. Foi impossível não gostar da cidade – e eu tinha um preconceito com Londres, porque havia conhecido pessoas que já tinham morado aqui e que não eram, digamos assim, modelos de algo que eu gostaria de ser. Mal comparando – eu sei que serei apedrejada por isto por alguns… -, Londres, assim como Nova York, me lembra muito São Paulo: cidade grande, cheia de vida, corre-corre, gente de todos os cantos e muita, mas muita vibração e energia.
Depois de quase sete anos, aquele ímpeto de descoberta da cidade já se exauriu?
Não! Já há alguns meses, estou buscando coisas ‘novas’ em Londres – volto para o Brasil neste ano e quero fazer aqui o que ainda não fiz, por falta de tempo ou por desconhecimento mesmo. E sempre encontro! Mais uma vez, Londres lembra São Paulo. Eu morei em São Paulo a minha vida toda e tem coisas na cidade que eu não conheço!!! Com tanto pra ver, dá pra descobrir novidades em Londres todos os dias, por uma vida inteira!
Como é a sua rotina em Londres?
Eu não tenho exatamente uma rotina. Nos seis meses que ainda me restam, estou tentando me impor uma. 🙂 O problema de não ter rotina é que você fica muito mal acostumado. E eu sei que quando eu voltar pro Brasil, vou precisar de muito mais disciplina do que tenho aqui. Minha vida em Londres é, basicamente, trabalhar pra pagar minhas viagens. Eu normalmente viajo todo mês – na maioria das vezes para fora do Reino Unido. Então, se tem uma rotina na minha vida, são essas viagens, hehehe.
Você consegue arranjar tempo para exposições, teatro ou qualquer outro programa cultural?
Olha, programa cultural não falta em Londres. E tem em todos os horários que se possa imaginar! Ou seja, não tem desculpa para não ir. 🙂 A única coisa que o Qype (empresa onde trabalha) me facilita é o fato de me dar muita flexibilidade de horário. Aliás, isso é uma coisa que eu ADORO em Londres: mesmo nos trabalhos mais ‘formais’ existe, na maioria das vezes, uma flexibilidade de horário bastante interessante. Em alguns lugares, isso não é possível (um banco, por exemplo, tem horário de atendimento ao público e não há como fugir disso), mas na maioria dos lugares em que eu trabalhei (trabalhei bastante como garçonete, hostess e recepcionista), normalmente existem turnos em horários diversos e basta você se organizar para que sua vida pessoal (com suas viagens e/ou atividades culturais) e seu trabalho interajam da forma mais interessante pra você. O Qype não me dá ‘passe livre’ pra eventos, mas minha chefia, além de ser flexível na questão dos horários, normalmente aceita bem o fato de eu ir a algum lugar/evento que beneficie meu desempenho profissional (como a Social Media Week, por exemplo).
E se um amigo liga para você e diz “Estou indo para Londres e só vou ficar três dias”?
Bom, normalmente eu me ofereço para sair com a pessoa, hehehe. Quem vem a Londres, muitas vezes, já tem na cabeça o que quer ver ou visitar. Eu pergunto do que a pessoa gosta e normalmente faço um roteiro específico. Não tem como fugir do básico: Big Ben, Palácio de Buckingham, St. Paul’s, Westminster Abbey, Parlamento, London Eye, Tower Bridge, Hyde Park, parques e museus. Outras atrações vão depender dos interesses da pessoa: Notting Hill, mercados espalhados pela cidade (seja de comida, como feiras, ou de artesanato e itens inusitados), Greenwich, Abbey Road, Camden Town… Tem tanta coisa! Agora, o que a pessoa não pode deixar de fazer é ir a um pub. Isso eu faço questão de incluir em qualquer roteiro! 🙂 Sempre é bom dar uma paradinha depois de um dia cansativo de visitas a atrações – e pub é MUITO inglês, MUITO londrino. E três dias (ou cinco… ou dez!) é muito relativo porque depende do ritmo da pessoa mesmo.
Qual é o seu TOP FIVE de Londres?
Sem ordem de importância, porque eu não saberia de qual eu gosto mais…
Big Ben – olha, ele nem é tão big, mas eu acho que não conheci ninguém que não tenha se emocionado quando o viu pela primeira vez. Eu vou lá de vez em quando só para tirar mais uma foto dele. 🙂
Parques – engraçado que eu não ia a parque em São Paulo. Aqui em Londres, porém, em dias quentes é a primeira coisa que me vem à cabeça.
Rio – tem tanta coisa às marges do Tâmisa que é mais fácil falar do rio em si. Seja um pub em frente ao rio, seja uma feirinha de artesanato em Southbank ou Greenwich, sejam apenas as silhuetas de prédios e ponte iluminadas à noite; esse rio é mágico!
Ingleses – eles não são muitos por aqui, comparativamente ao número de imigrantes. Aprendo muito com os ingleses, seja pela fleuma, pela educação extrema (eles se chocam porque a gente, brasileiro, não fala ‘por favor’ e ‘obrigado’ toda hora!) e até mesmo pelo humor às vezes bobo deles. Conheci ingleses aqui que vou levar pra minha vida inteira.
Vai-e-vem – Londres é uma cidade de ‘crescimento pessoal’. Muita gente vem pra cá buscando sua primeira experiência no exterior. Conheci muita gente – de muitos países – e fiquei triste quando elas saíram da minha vida. Só que isso tem uma beleza inexplicável: são pessoas que, de alguma forma, me ensinaram algo – sobre sua cultura, sobre a vida, sobre mim mesma.
Em Londres, comemorar a presença de outros brasileiros ou sair correndo?
Hmmm, depende! Eu conheci brasileiros legais e brasileiros safados. Tem de tudo, né?! Eu sou contra viver no gueto e se relacionar apenas com pessoas da mesma nacionalidade. Por outro lado, tem horas que você precisa de um certo suporte de pessoas que têm uma cultura parecida com a sua. Acho que precisa ter um equilíbrio.
Qual é a armadilha turística que o viajante brasileiro deve evitar em Londres?
Armadilha turística? Eu acho que não sei responder essa. Eu moro na cidade e normalmente não a vejo como turista, hehehe. Agora, uma coisa que eu percebi, viajando pela Europa toda, não apenas em Londres, é que muitas vezes uma refeição num restaurante simples sai quase o mesmo preço de um fast food. A gente sempre acha que vai economizar comendo lanche e acaba perdendo a chance de comer uma comidinha local simples – muitas vezes caseira! – pra economizar £ 1 ou £ 2 optando por um hambúrguer. Eu já comi em Covent Garden, por exemplo, num restaurante italiano super simpático, por £ 8. Ah, lembrei de uma ‘armadilha’, hehehe. Tem aqui em Londres (e em toda a Europa), em alguns bairros (mais turísticos ou mais movimentados), aquelas estátuas vivas ou os tocadores de gaita de fole vestidos com trajes tipicamente escoceses. As pessoas normalmente acham que podem tirar foto deles, mas eles estão ali a trabalho e vão ficar bravos se o turista tirar foto ‘de graça’. Vale ficar ligado nisso!
Você acha que a cidade estará bem preparada para as Olimpíadas?
A preparação está por todos os lados: ruas esburacadas para obras, metrô em constante manutenção e colocação de trilhos novos, ruas interditadas… Tem de tudo, mas acho que os londrinos (e londrino, pra mim, é todo mundo que mora na cidade, não apenas quem nasceu aqui) já se acostumaram com todas as obras. A gente, na verdade, fica feliz quando vê o resultado. 🙂 Tem coisas desnecessárias, como umas esculturas que devem ter custado caríssimo e aparentemente não têm função, mas acho que grande parte das obras vai ser benéfica pra cidade como legado: são melhorias nos bairros que ficam depois que a Olimpíada terminar.
Quanto a estar preparada, eu sinceramente acho que o sistema de transporte não vai dar conta (assim como acho que não vai dar conta no Rio de Janeiro em 2016). Hoje, os metrôs vivem lotados em todos os horários. Eu raramente pego um metrô completamente vazio. E ele normalmente vai enchendo mais e mais no caminho e, quando chego ao meu destino, ele já está lotado. O sistema de transporte de Londres é bem eficiente e completo, mas tem muita gente morando aqui. Houve até pedidos do TfL (o Transport for London, que cuida do transporte público na cidade) para que alguns locais de competição diminuísssem a quantidade de ingressos a venda, pois eles temem que o fluxo seja muito maior que a capacidade. Confesso que não sei se o pedido foi atendido nem se houve outros casos (eu vi isso apenas uma vez no jornal). Já conversei com ingleses que estão desesperados visualizando o ‘caos’ (segundo eles) que vai tomar conta da cidade. Não sei se é pra tanto, mas realmente acho que vai ser complicadinho. Por outro lado, muitas empresas aqui oferecem opções flexíveis de trabalho em que os funcionários podem trabalhar de casa – e isso pode ajudar bastante nesse processo.