Michael Jackson é o tema de uma grande exposição em Londres.
Desta vez, não se trata de uma reunião de fatos bizarros e curiosos sobre sua vida, mas uma coleção de retratos e pinturas que retrata sua influência na arte contemporânea.
Texto: Keli Lynn Boop
Um herói mítico. Essa é a representação de Michael Jackson no último retrato encomendado do artista. A obra está em exibição pela primeira vez no Reino Unido. Na tela de grandes dimensões, o Rei do Pop é um cavaleiro medieval, montado em um cavalo branco.
Um par de querubins, lânguidos e entristecidos, voa abraçado acima de sua cabeça. Um deles carrega uma coroa de louros e exibe uma lágrima no rosto. A armadura não consegue esconder uma certa angústia no olhar do rei. Nada mais singular e enigmático, como a própria vida do músico americano.
O retrato do rei é, também, uma das principais atrações de Michael Jackson: On The Wall. Uma exposição instigante que está acontecendo na National Portrait Gallery, até 21 de outubro de 2018.
Exposição Michael Jackson: On The Wall
Visitação
Período: de 24 de junho até 21 de outubro de 2018.
Horário: Segunda, Terça, Quarta, Sábado e Domingo: das 10:00 às 18:00 (nestes dias a Galeria encerra às 17:50) .
Quinta e Sexta: das 10:00 às 21:00 (nestes dias a Galeria encerra às 20:50).
Entrada: Todas as sextas-feiras a Galeria disponibilizará 500 bilhetes de £ 5 para qualquer pessoa com idade igual ou superior a 25 anos, das 10:00 às 21:00.
Menores de 12 anos, acompanhados dos pais, têm entrada livre. Esses ingressos estão sujeitos à disponibilidade, por ordem de chegada, e podem ser reservados on-line ou pessoalmente na Galeria. Será necessário comprovar a idade.
Publicação: A exposição é acompanhada por uma publicação ilustrada com mais de a reprodução de mais de 120 imagens. Os ensaios são assinados pelo curador da exposição, Nicholas Cullinan e de Margo Jefferson e Zadie Smith. Valor: £ 35,00.
Onde: National Portrait Gallery – St Martin’s Place, Londres WC2H 0HE.
Estação de metrô mais próxima: Leicester Square / Charing Cross.
Esqueça se você está pensando que Michael Jackson: On The Wall é para contar a história da vida, glórias, bizarrices e escândalos, de MJ. De jeito nenhum. Há um único propósito ali: revelar ao público a influência da figura mítica dele na arte contemporânea. Para isso foram reunidos os trabalhos de 48 artistas, distribuídos em 14 galerias.
Então, como já disse um jornalista, nem pense em encontrar na National sequer uma luva do rei, incrustada de cristais Swarovski. Afinal, a exposição não é uma hagiografia, muito menos um relicário, como bem definiu o crítico e curador de arte Adrian Searle, em artigo no The Guardian.
Mas, sem dúvida, ela é um grande espetáculo. Em todos os espaços da exposição está a lembrança da lendária parceria musical entre Michael Jackson e produtor e empresário Quincy Jones. A trilha sonora tem a voz de MJ e os arranjos de QJ. A música está nos aparelhos de fones de ouvido, distribuídos para os visitantes, e nos vídeos das eletrizantes turnês e shows do músico.
Uma das galerias tem reunidas obras que representam as múltiplas faces dele. Como a pintura Michael, do artista britânico Gary Hume (abaixo). São conhecidas as cirurgias plásticas e intervenções estéticas às quais o músico se submeteu ao longo da vida. O resultado foi bizarro e caricato. Essa sala, em particular, e outras obras da exposição sugerem os reflexos do lado b, o famoso dark side da fama.
Muitas faces e muitas definições para um só e único artista. E é essa a sensação que Michael Jackson: On The Wall deixa no espectador: a de que ele foi um salvador, um santo, um artista, um ícone, um monarca, uma máscara e um mistério, alguém já disse. “Jackson sempre foi mais uma ideia do que um ser humano em carne e osso”, define muito bem o jovem escritor e ensaísta do New York Times, Thomas Chatterton Williams.
Nem todo o mundo sabe, mas ao longo das últimas décadas, Michael Jackson tornou-se a figura cultural mais representada por uma extraordinária variedade de artistas contemporâneos. É isso o que reforça o material de imprensa da National Portrait Gallery.
Prova disso é a própria mostra da Galeria. Daí que não poderiam faltar nomes como Andy Warhol . O artista e cineasta americano foi o primeiro a usar a imagem icônica do músico nesta plataforma. Tudo começou nos anos 80. Na impactante exposição estão os famosos três múltiplos serigráficos e a foto, em p&b, de Michael Jackson de costas.
Pode-se dizer que essa grande mostra é uma dupla homenagem a MJ: um “aperitivo” do que vão ser os 10 anos da sua morte por overdose acidental, em 2019, e o aniversário de 60 anos que ele estaria comemorando, no próximo dia 29 de agosto.
Não sei se você percebeu a referência. O nome da exposição é uma homenagem ao álbum Off The Wall. O quinto da carreira de Michael Jackson. Ele foi lançado em 1979, quando MJ tinha 21 anos. Musicalmente ele foi um divisor de águas na carreira do músico.
Então, por tudo isso, fica a dica: se você está em Londres ou de malas prontas “rumo a…” e é fã de Michael Jackson e (ou) de arte contemporânea, corre lá para a National. É diversão na certa.
Depois, só se você for ao Grand Palais, em Paris (de novembro a fevereiro de 2019), ou em Bundeskunsthalle, Bonn (de março a julho de 2019), ou então no Museu de Arte Moderna de Espoo, na Finlândia (de agosto a janeiro de 2020).
O retrato encomendado do Rei do Pop
Tudo começou mais ou menos assim: em 2008 Michael Jackson telefonou para Kehinde Wiley e encomendou um retrato seu ao artista californiano. Adivinha qual foi a primeira reação de Wiley do outro lado da linha? Claro que ele achou que era uma pegadinha e não botou fé na história.
E, cá entre nós, se eu ou você estivéssemos no lugar de Wiley, talvez achássemos o mesmo, não é? Foi preciso o empurrão de um amigo para cair a ficha do “Leonardo da Vinci do Hip Hop”, como também é conhecido o artista.
É provável que a descrença inicial de Kehinde Wiley estivesse no fato de que ele não era tão famoso assim na época. Foi só a partir de fevereiro de 2018 que ele ganhou as manchetes do mundo. O feito? Wiley foi o primeiro artista afro-americano a retratar um ex-presidente dos Estados Unidos. Se você pensou em Barack Obama, acertou.
Em 2009, já devidamente contratado, o artista começou as primeiras pinceladas de Equestrian Portrait of King Philip II (Michael Jackson). A tela foi concluída em 2010, ano seguinte à morte do músico americano.
Quer mais detalhes sobre o retrato póstumo? Vem, embarca comigo nessa viagem que no caminho eu te explico.
O retrato equestre de Michael Jackson: a inspiração
Majestoso e imponente são alguns dos vários predicados do retrato equestre de Michael Jackson. Já em termos de qualidade, ele não chega a ser assim…um Rubens, embora tenha sido inspirado no pintor flamengo. “Mas ele é absolutamente perfeito para este show esquisito, que dá uma olhada no papel extracurricular de Michael Jackson como uma inspiração para artistas contemporâneos”, observa o editor de Artes da BBC News, Will Gompertz. Gompertz é também escritor, já foi diretor da Tate Gallery e eleito um dos 50 pensadores mais criativos do mundo.
Equestrian Portrait of King Philip II (Michael Jackson) foi inspirado no estilo extravagante e nas pinceladas coloridas e sensuais do pintor Peter Paul Rubens. Mais precisamente na pintura heróica Philip II on Horseback, que atualmente está no Museo do Prado, Espanha.
Rapidinho: É bem pertinente e gosto da definição de Gompertz sobre o retrato equestre: “É uma pintura estranha e triste, que não corresponde de forma alguma à extraordinária criatividade e às realizações técnicas dele, mas de alguma forma resume sua vida. Também resume a exposição, que é um evento muito estranho”.
Ainda mais rapidinho: Quando ainda vivo, e antes de morrer de um ataque de piolhos (isso mesmo), Filipe II, rei da Espanha, gostava de música e arquitetura. Gostava de casar, pelo visto. Teve quatro esposas, uma delas Maria Tudor. O que fez dele o rei consorte da Inglaterra. Você sabia que em 1588 a capital da Paraíba, João Pessoa, tinha o nome de “Filipeia de Nossa Senhora das Neves”, em homenagem ao rei Filipe II? Nem eu, até escrever esse post.
Os retratos equestres dos reis: curiosidades e coincidências
- Ambos foram comissionados.
- Tanto o retrato equestre do rei Filipe II quanto o do rei Michael Jackson foram concluídos postumamente. Ou seja, nenhum dos dois chegou a ver os seus retratos finalizados. Será que eles aprovariam as obras. O que você acha?
- Os reis vestem armaduras completas e usam mantos. Acima de suas cabeças, querubins carregam coroas de louros. O querubim na tela de Michael Jackson tem uma lágrima na face.
- Provavelmente a batalha reproduzida em ambas as telas é a de San Quintín (1557), quando as tropas de Filipe II derrotaram o exército francês. A vitória alada que coroa de louro o rei espanhol apoia esta hipótese, concluem os historiadores.
- A tela de Michael Jackson tem quase o dobro do tamanho da tela de Filipe II. Dimensões: 3m51 X 3m1cm e 1m28cm X 1m12cm, respectivamente.
Observação fora do contexto das obras: Ambos os reis morreram de forma, no mínimo, inusitada. O que você acha?
Desvendando o retrato equestre de Michael Jackson
Se você ficou curioso sobre o significado por trás de alguns elementos do retrato equestre de MJ, dá uma olhada no que diz o próprio autor da obra:
- A armadura completa: é uma alusão à imagem pública de Jackson e à maneira como ela “funcionava de uma só vez como comunicação e couraça”.
- A batalha ao fundo: refere-se às batalhas que ele travou ao longo de sua vida: com seu pai recentemente falecido, com a mídia, com seus próprios demônios.
- As flores: são a beleza da criatividade e da música.
- Os querubins: os anjos significam a vitória e um deles carrega uma coroa de louros para colocar na cabeça do Rei do Pop.
Essas explicações Kehinde Wiley deu a Will Gompertz, editor de Artes da BBC. Se a sua curiosidade se estende a como foi o encontro entre Wiley e Jackson, veja o que o artista contou para o jornalista Killian Fox, no The Guardian, em novembro de 2017.
O primeiro contato: “Ele me ligou. Ele viu uma das minhas obras no Museu do Brooklyn, um retrato equestre muito grande de um jovem negro na pose de Napoleão, atravessando os Alpes. Ele disse para sua equipe: “Eu preciso conhecer esse artista.” No começo, eu não acreditava nisso. Por fim, um amigo em comum disse: “Por favor, responda a porra do telefone?” Então, a gente combinou algo”.
O encontro: “Foi extraordinário. Seu conhecimento de arte e história da arte era muito mais profundo do que eu poderia imaginar. Ele falava sobre a diferença entre as pinceladas precoces e tardias de Rubens. Uma das coisas sobre as quais falamos foi como as roupas funcionam como armaduras. E se você olhar para a pintura, ele está a cavalo vestindo uma armadura completa”.
On the Wall: 5 obras imperdíveis
Alguns highlights da exposição, para além das obras Equestrian Portrait of King Philip II (Michael Jackson), de Kehinde Wiley, e das icônicas serigrafia e foto em p&b de Warhol:
- An Illuminating Path, obra do “Fellini da fotografia”, o sempre irreverente David LaChapelle.
- Michael Jackson’s “diner jacket” foi criada pelo estilista Michael Lee Bush . A jaqueta de couro, adornada com garfos, colheres e facas, está sendo exibida pela primeira vez na Inglaterra.
- O retrato no estilo pop-graffiti de Michael Jackson, de Keith Haring, também exibido pela primeira vez em 30 anos.
- Outro trabalho exposto pela primeira vez no Reino Unido é Who’s Bad? . A obra é da artista americana e ativista Faith Ringgold.
- Mark Ryden, o “Deus-Pai do surrealismo-pop“, marca presença com Dangerous , obra de 1991.
On the Wall tem curadoria de Nicholas Cullinan, diretor da National Portrait Gallery e Lucy Dahlsen. As obras foram pinçadas de coleções públicas e privadas em todo o mundo e 11 delas foram produzidas exclusivamente para a exposição.
Entre elas estão os trabalhos de:
- Njideka Akunyili Crosby: O artista criou As We See You: Sonhos de Jand, em 2017. Ele funde colagem, transferência de fotos, desenho e pintura para representar um interior imaginário de uma casa nigeriana.
- Michael Craig-Martin: Ele criou um desenho baseado na imagem usada na capa da revista Rolling Stone, em abril de 1971. Jackson tinha apenas 11 anos e foi a pessoa mais jovem a aparecer na capa da revista. O retrato foi concluído em junho de 2018, apenas duas semanas antes da abertura da exposição.
- Graham Dolphin: Thriller x 20 e Off the Wall x 25 fazem parte de uma série de trabalhos de Dolphin, baseados nas capas de álbuns Michael Jackson. Exploram questões de fandom e idolatria. Usando várias cópias de Thriller e Off the Wall como sua tela, o artista trabalha diretamente em suas superfícies. Cada capa é desenhada em pequenos textos manuscritos contendo as letras completas do songbook e Jackson.
A lista completa dos 48 artistas: Rita Ackerman, Njideka Akunyili Crosby, Emma Amos, Lyle Ashton Harris, Dara Birnbaum, Candice Breitz, Appau Jnr Boakye-Yiadom, Monster Chetwynd, Michael Craig-Martin, Dexter Dalwood, Graham Dolphin, Mark Flood, Isa Genzken, Michael Gitttes, Todd Gray, Maggi Hambling, David Hammons, Keith Haring, Jonathan Horowitz, Gary Hume, Rashid Johnson, Isaac Julien, Johannes Kahrs, KAWS, David LaChapelle, Louise Lawler, Klara Liden, Glenn Ligon, Sam Lipp, Isaac Lythgoe, Paul McCarthy, Rodney McMillian, Dawn Mellor, Dan Mihaltianu, Lorraine O’Grady, Catherine Opie, Yan Pei Ming, Grayson Perry, Paul Pfeiffer, Faith Ringgold, Michael Robinson, Mark Ryden, Susan Smith-Pinelo, Donald Urquhart, Kehinde Wiley, Hank Willis Thomas, , Andy Warhol and Jordan Wolfson.
O elefante na sala ou a “saia justa” da exposição
Sempre acontecem gafes ou saias justas nos eventos, inclusive nos grandiosos. Michael Jackson: On the Wall não fugiu à regra e teve um mico proporcional ao seu tamanho. No caso, a ausência da famosa escultura de porcelana gigante Michael Jackson and Bubbles do artista conceitual Jeff Koons.
Um “ elefante na sala” foi a expressão usada por Will Gompertz para descrever a situação. “É como não ter Pelé no melhor time de futebol brasileiro, ou cortar um capítulo de Great Expectations. Isso deixa um grande buraco na exposição”, alfinetou Gompertz.
“Testemunhamos um menino sensível e criativo que se torna uma mercadoria a ser explorada: um produto Warholiano da cultura popular cuja alma é usada como o champanhe na garrafa de Coca-Cola para dar um pouco de brilho na vida dos consumidores sedentos”, conclui o editor da BBC News.
Michael Jackson em Londres
Esse post não poderia terminar sem um fato histórico para comprovar ainda mais a magnitude de Michael Jackson enquanto pop star global. E nem precisa gostar da sua música para reconhecer isso.
Ele foi o primeiro plebeu na história a acessar o Guildhall pela entrada real do edifício. Aconteceu há 30 anos, durante à emblemática turnê Bad, em julho de 1988. MJ foi tratado como realeza e teve a permissão da rainha para acessar à entrada real do edifício. Sua chegada foi anunciada com toda pompa e, claro, ao som das trombetas dos Life Guards.
Antes do último de seus sete shows no Estádio de Wembley, Jackson foi homenageado com um jantar no Guildhall. Dançarinos vestidos com roupas tradicionais inglesas espalharam pétalas de rosas aos pés do Rei. A performance aconteceu durante o trajeto escoltado de Michael Jackson até à cabeceira da interminável mesa no Grande Salão. Local onde, ao longo dos séculos e até então, era exclusivo para assuntos de Estado.
Quer entrar ainda mais no clima de Michael Jackson: on the Wall?
Então, se joga neste vídeo.
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