Ivan, o croata, recostado à parede, com os olhos cerrados, foi despertado pela pergunta em tom grave do professor Wayne: “Qual a primeira coisa que você lembra quando alguém fala do Irã?”.
em pestanejar, o aluno, cheio de espinhas no rosto e a face maculada de quem não dormira na noite anterior, disparou: “Guerra”.
Foi o suficiente para uma verdadeira batalha em sala de aula.
De frente para ele, na parede oposta, havia uma iraniana enfurecida com a ideia de que aquele croata não conseguisse imaginar nada mais agradável para falar de seu país.
“A última guerra foi há mais de uma década”, defendeu-se. Ao que foi auxiliada por uma coreana e uma mexicana, esta em espanhol mesmo.
Os japoneses, porém, ficaram ao lado do croata. Também o Irã lhes propiciava apenas imagens de bombas e tiros. Eu, brasileiro, pouco afeito àquelas discussões, me entreti com a tempestade de opiniões contrárias em um ambiente minutos antes dominado pela paz.
No caminho de volta para casa, na saída da estação de Queensway, quase tropecei em um homem que distribuía panfletos. Atrapalhado pela colisão potencial, agradeci em português: “Valeu”.
Ele respondeu: “De nada, parceiro”. Era brasileiro. E ao lado dele, notei a presença de outros brasileiros, todos falando em português.
“Vocês são de onde?” Um de Minas Gerais, outro de São Paulo e até uma conterrânea do Rio Grande do Sul. Logo me convidaram para sair mais tarde. Lamb & Flag, me disseram, um pub histórico em Covent Garden.
Como sou adepto do metrô, logo estava de volta ao trem. À minha frente, um casal de paquistaneses discutia a relação em altos brados. Ao meu lado, dois amigos de cabelo espetado conversavam em uma língua que parecia nórdica, mas poderia ser algo completamente diferente. Antes que eu observasse mais gente, já havia chegado à estação desejada.
O pub estava abarrotado de clientes. Encontrei os brasileiros muito tempo depois, em uma mesa no fundo. “Tá vendo a italiana do bar?”, perguntou o paulista. “Ela é nossa amiga e nos consegue cerveja de graça”. Já na terceira pint, depois de abrir espaço na mesa para um espanhol e um mexicano, eu perguntei para os convivas: “Mas e os londrinos, onde estão?”.
A resposta eu só descobri dias depois. Não há tantos londrinos (daqueles born and raised) quanto se espera em Londres, pelo menos nas áreas mais centrais. Aparentemente, os mais abastados se refugiam em regiões periféricas da cidade (ou em mansões requintadas de Mayfair e prédios altíssimos da City), afastados da correria alucinante e dos “invasores” brasileiros e indianos.
Por isso, não pense que você encontrará alguém falando como Hugh Grant ou Keira Knightley em cada esquina. Na maior parte das esquinas, embora as vozes mais altas tenham, sim, um sotaque fortíssimo, elas também apresentam um denso cheiro de curry.