O último duelo em Londres

Imagine o seguinte cenário: após ter a honra ofendida, o cidadão desafia aquele que o difamou a lutar pela própria vida em um duelo com espadas ou pistolas. O combate pessoal, em que a vida é colocada em jogo por razões até certo ponto fúteis, é considerado, hoje, uma atitude abominável. Mas nem sempre foi assim.

Duelos no Reino Unido

Por Daniel Rohr

Em sua origem medieval, o resultado de um duelo era considerado uma intervenção divina. Deus, de posse de suas capacidades sobrenaturais, seria responsável por decidir quem estava com a razão: desafiante ou desafiado.

Retrato de um duelo por Jean-Léon Gérôme, 1859. Foto: domínio público
Representação de um duelo por Jean-Léon Gérôme, 1859. Foto: domínio público

Relativamente comuns no continente europeu entre os séculos 18 e 19, inicialmente os duelos eram protagonizados por membros da nobreza, mas não demorou muito para que a prática fosse popularizada entre outras castas sociais.

As regras para escapar às autoridades

Ao contrário do que poderia se pensar, os combates eram realizados mediante regras específicas. Era permitido levar para o duelo um ajudante de sua confiança, nomeado Segundo, a quem cabia a função de inspecionar as armas do oponente e, juntamente com o Segundo adversário, garantir um local justo – e seguro – para o enfrentamento.

No momento de escolher o campo de batalha, surgia a necessidade de considerar alguns fatores. Em primeiro lugar, o isolamento, para evitar a interrupção de terceiros e manter-se oculto às autoridades policiais. Em segundo lugar, a ambiguidade jurisdicional, numa tentativa de prevenir consequências legais. Assim, ilhas em rios que funcionavam como fronteiras eram consideradas ideais.

O cuidado também abrangia o período do dia: de preferência, os duelos deveriam ser disputados durante a madrugada, o que exigia o uso de lanternas para permitir a orientação em meio à penumbra. Essa condição repercute até hoje, porque parte das técnicas de esgrima foi estabelecida levando-se em conta essa peculiaridade.

Tamanha preocupação se devia ao fato de que, no Reino Unido, a morte em duelo costumava ser julgada como assassinato. No entanto, a tendência era de que penas brandas fossem aplicadas, pois muitas cortes simpatizavam com a ideia de defender a própria honra.

Até a morte? Nem sempre

Nem todos os duelos terminavam com a morte de algum dos participantes. Durante o reinado do rei George III (1760-1820), houve 172 duelos registrados na Inglaterra, com 69 mortes. Não se descarta, no entanto, que outros combates tenham acontecido em segredo.

Alexander Pushkin vs Georges d'Anthès, 1837. Foto: domínio público
Alexander Pushkin vs Georges d’Anthès, 1837. Foto: domínio público

Quando alguém era desafiado, dificilmente rejeitava o combate, pois a renúncia era tornada pública por meio de cartazes, o que feria a honra e a moral, prejudicando de forma decisiva nos negócios.

Em geral, havia três maneiras distintas de determinar o fim do duelo e consagrar o vencedor. Era considerado perdedor aquele que:

– Sangrasse primeiro, independentemente da gravidade do ferimento

– Ficasse incapacitado de continuar

– Morresse

No caso dos duelos de pistola, era permitido a cada uma das partes disparar uma bala. Se ninguém fosse atingido e o desafiador declarasse que estava satisfeito, o duelo era encerrado. Quando o embate prosseguia com outros disparos, até a morte de um dos combatentes, por exemplo, o fato era considerado bárbaro e, por vezes, ridículo.

O local do último duelo em Londres

Com o passar dos anos, a mentalidade da sociedade mudou e os duelos deixaram de contar com o prestígio de outrora. O declínio da violência pública e a mudança no modo de medir a reputação e a honra dos cidadãos interferiu decisivamente nesse processo.

O último combate travado em Londres ocorreu em um local que, por si só, já é um pedaço da história londrina. A Pickering Place é uma viela sem saída que desemboca naquele que é considerado o menor local público da cidade.

Pickering Place, onde ocorreu o último duelo. Foto: Mapa de Londres
Pickering Place, onde ocorreu o último duelo. Foto: Mapa de Londres

Além do charme da arquitetura georgiana, o local se notabiliza pela discrição e pelo culto a um passado que ainda é preservado. Conhecer a Pickering Place é mergulhar em uma atmosfera nostálgica, mesmo para quem não é londrino.

Luminárias a gás remetem ao século 18. Foto: Mapa de Londres
Luminárias a gás remetem ao século 18. Foto: Mapa de Londres

Conta-se, também, que esse pacato local serviu de arena para um duelo protagonizado por um célebre inglês, Beau Brummel, amigo próximo do rei George IV e inventor da gravata. Além disso, a viela foi sede da Embaixada do Texas, antes que ela fosse transferida para os Estados Unidos.

Placa que marca local da embaixa da República do Texas. Foto: Mapa de Londres
Placa que marca local da embaixa da República do Texas. Foto: Mapa de Londres

Ficou interessado em conhecer o local? A melhor maneira é desembarcar na estação Green Park (linhas Jubilee, Piccadilly e Victoria). Confira:

 Passeio pela história

Esse e outros tópicos da história de Londres você pode desbravar em um passeio guiado pela cidade, sabia? Veja como:

Vania Gay - Mapa de Londres

 Passeio guiado

Este post foi uma sugestão de Vania Gay, a única guia brasileira credenciada pela City of Westminster, pela City of London e pela St Paul’s Cathedral.

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