“Have a good life, mate”, disse ele, antes de sair pela porta, e então eu entendi que Londres não proporcionava apenas encontros, mas também despedidas. Eu trabalhava em um Burger King ao lado do Dominion Theatre e da estação de Tottenham Court Road.
Nos primeiros dias, tinha dificuldade em entender tantos procedimentos diferentes. Assim, contei com a ajuda de um nigeriano gordinho, com pinta de rapper. Ele me ensinou onde deveriam ser alocadas as caixas no freezer, qual a maneira correta de preparar os sanduíches mais básicos e como lavar os utensílios de cozinha.
Por três meses, trabalhamos no mesmo horário, em cooperação total. Começávamos duas horas antes da abertura do restaurante e ficávamos por lá até as 13h. De vez em quando, almoçávamos juntos. Ou, quando havia muita correria, um preparava o sanduíche do outro, a fim de não deixar dois funcionários de folga ao mesmo tempo.
A pressão era constante, os chefes xingavam por qualquer motivo e cobravam coisas incompreensíveis. A tudo, ele reagia com muita tranquilidade. Parecia que nem os brados mais revoltados do gerente chinês poderiam demovê-lo de sua paz.
Aos poucos, captei um pouco desse espírito leve, pelo menos durante o meu tempo no restaurante, e passei a me preocupar menos com os chefes e suas intempestividades. Mas aí, um dia, enquanto eu comia um Whopper duplo com queijo, com batatas fritas e uma Coca-Cola gigantesca, ele sentou ao meu lado e perguntou: “Sabia que hoje é o meu último dia?”.
Ele não tinha contado para ninguém, mas retornaria na manhã seguinte para seu país natal, para cuidar de seu pai, que estava doente. Aquele cara era realmente uma boa pessoa, enviava metade do curto salário para a família, me ajudara em diversos momentos e estava prestes a ir embora.
Na hora, fiquei triste, contudo só percebi a verdadeira dimensão do momento quando nos abraçamos e ouvi o seguinte: “Have a good life, mate”. Ele não me desejava um bom ano ou um bom mês, mas uma boa vida.
Porque ele sabia que nunca mais nos veríamos. Não adiantava argumentar que ele poderia voltar para Londres um dia, que eu poderia rumar para a Nigéria ou que nos encontrássemos muitos anos depois no Brasil.
Era uma despedida de verdade, como poucas vezes se experiencia. Então eu dei tchau, lhe desejei uma vida fantástica, e ele saiu pela porta. Eu não imaginava que, alguns meses depois, faria o mesmo que ele.
Nas despedidas seguintes, eu tentava avaliar a possibilidade de um reencontro. Um ou outro adeus, eu ponderava, não seria definitivo. A maioria, sim. Em um ano, eu disse “Have a good life” 12 vezes.