A estação errada

A estação erradaHistória como esta a seguir precisaria ser precedida de um “Sério, aconteceu mesmo”. Em qualquer outro lugar do mundo. Em Londres, no entanto, cenas pitorescas como a narrada nas próximas linhas ocorrem toda hora. Talvez com mais contundência às 23h de sábado, no metrô.

Após uma jornada de observação e degustação no Blind Beggar, um pub aconchegante de Whitechapel, decidi arrumar algo para comer. (Infelizmente, a cozinha do pub não acompanha a boemia até o fim e se rende mais cedo.) Abri a porta, acenei com a cabeça para a bartender, tão simpática, e aspirei o aroma inconfundível de uma noite incipiente, dotada de todas as possibilidades que um viajante vislumbra ao se ver na capital britânica sem destino certo nem hora para voltar. Na entrada da estação, decidi me enveredar pela District Line, que me conduziria rapidamente a Liverpool Street.

Eu sempre pressinto quando um momento bizarro está prestes a assomar. Este tomou forma assim que a porta do trem se abriu: um grupo de jovens de terno e gravata cantava um hino desconhecido, tirava sarro de um colega vestido de mulher e se preparava para tirar uma foto. Me aproximei sorrindo, já sabendo que me incorporaria ao grupo estranho que dominava as atenções do metrô. Assim que entrei, fui puxado por um deles, que pediu: “Tira foto com a gente”.

Embarquei na história. Logo me perguntaram de onde eu vinha, e a resposta pareceu animá-los ainda mais. “Brazil, Brazil”, começaram a entoar, como se estivessem em um estádio de futebol. Segundos depois, a gritaria inicial cedeu ao silêncio. O foco passou para um careca que ostentava bermuda e chinelos de dedo, além da camisa e da gravata. Um dos chinelos estava em sua mão, ameaçadoramente. Ele o apontava para o homem de peruca. Mas a briga de mentirinha não durou muito: após alguns tapas e chineladas, o homem vestido de mulher venceu a contenda. Embora desconfiados, os outros passageiros aplaudiram.

Quando o trem parou, desci rapidinho – não sem antes escutar uma vaia estrondosa. Olhei para trás, com a porta ainda entreaberta: “Gotta go”. Quando me virei, porém, dei de cara com a placa de Aldgate East. Ou seja, desci uma estação antes, no lugar errado. Apesar do engano, saí caminhando contente: mais uma noite que começa sob o auspício inesperado do suspiro etílico que encoraja o viajante a seguir seu caminho, não importa para onde. A estação errada é só o começo.

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